Vamos nos aprofundar no conhecimento de Nossa Senhora de Lourdes com o Padre Paulo Ricardo
No dia 11 de fevereiro de 1858, a Santíssima Virgem Maria aparecia
à humilde Bernadete Soubirous, para pedir à Igreja oração e penitência pela
conversão dos pecadores. As mensagens de Nossa Senhora, saídas da gruta de
Massabielle, nos arredores da cidade francesa de Lourdes, até hoje ecoam no
coração dos fiéis que, maravilhados com o amor da Mãe que veio ao encontro de
Santa Isabel e vem, agora, ao encontro de seu povo, peregrinam à França
buscando alívio para o corpo e para a alma.
A quem deseja conhecer mais profundamente a história das aparições
de Lourdes, é recomendado o ótimo livro do sacerdote René Laurentin, um dos
mariólogos mais respeitados do mundo, perito no Concílio Vaticano II, Lourdes, relato auténtico de
las apariciones, disponível abaixo para download. Essa obra é a
narrativa condensada de uma apaixonada pesquisa do padre Laurentin sobre Nossa
Senhora de Lourdes. Depois de recolher informações em documentos, testemunhos,
artigos de jornal e interrogatórios, o sacerdote escreveu fartos seis volumes
sobre as aparições, uma autêntica "biblioteca" sobre o acontecimento.
Neste texto disponibilizado aos leitores do site, o padre Laurentin relata, de
forma graciosa, como as aparições de uma "bela Senhora" agitaram a
vida de Lourdes: além das narrativas da própria vidente, são compiladas as
impressões de outras pessoas, ilustrando "em que condições estupendas,
apesar de zombarias, de dúvidas e de oposições, a voz daquela menina,
mensageira da Imaculada, se impôs ao mundo"[1].
No final de seu livro, René Laurentin evoca quatro pontos
principais da mensagem de Nossa Senhora de Lourdes, a saber: a pobreza, a
oração, a penitência e a Imaculada Conceição.
Antes de tudo, a pobreza. A eleição de Bernadete Soubirous para
receber as aparições da Virgem Santíssima é mais uma amostra da predileção de
Deus pelos mais pobres. Como sugere o Papa Leão XIII, oferecendo exemplos
bíblicos[2], "é para as classes desafortunadas que o coração de Deus
parece inclinar-se mais"[3].
Bernadete era pobre em tudo: social, intelectual e até fisicamente
falando. A história de sua família começa com as dificuldades de seu pai em sustentá-la.
Em um acidente no moinho, o pai de Bernadete, perde a visão de um dos olhos e
já não é capaz de produzir farinha de boa qualidade. Não bastando isso, a
crescente industrialização aprimora o processo de produção de farinha, tornando
o instrumento da família Soubirous obsoleto e insuficiente. Por fim, uma seca
de dois anos faz com que o trigo diminua e insta Francisco Soubirous a vender o
seu trabalho braçal para girar os moinhos de outrem. O preço de seu trabalho
chega a valer menos que o de um animal, que, por possuir mais músculos,
consegue girar o engenho com mais força. Episódios trágicos seguem-se, um após
o outro, e chegam a desabrigar a família, que se vê obrigada a morar favor na
casa de um parente. Eles vão, então, para um pequeno espaço, apelidado de
"cárcere" (" le cachot", em francês).
Ali, vivendo todas as dificuldades de uma vida humilde, Bernadete
contrai uma cólera – doença epidêmica, à época – e, talvez vítima dos
desajustados métodos para o tratamento da doença, acaba contraindo uma asma,
que não a abandonará até a sua morte.
Bernadete também era analfabeta. Um ano antes das aparições,
vivendo na casa de sua ama-seca, esta tentou ensinar-lhe o Catecismo, mas teve
muitas dificuldades, pois Bernadete só sabia falar o dialeto. Constantemente
maltratada por sua ama, ela voltou para a casa de seus pais.
E foi saindo dali, em fevereiro de 1858, que a Virgem Santíssima
lhe apareceu. Estando ela em casa, no cachot, a lenha acaba. Então, ela, sua
irmã mais nova e uma amiga vão buscar um pouco de lenha. Chegando perto do
córrego, as duas meninas atravessam-no, mas Bernadete, temendo entrar na água
fria, por causa de sua asma, fica. Ao tirar as suas meias, para atravessar o
riacho, ela percebe uma rajada de vento sobrenatural e, quando olha para a
gruta, do outro lado, vê uma jovem, vestida de branco, com uma faixa azul, um
rosário e duas rosas douradas nos pés. Instintivamente ela se ajoelha e tenta
fazer o sinal da cruz, mas seu braço está como que morto. A Virgem, então, faz
o sinal da cruz. Ela imita-a e põe-se a rezar o Terço, "desfiando ela
mesma as contas. Esta gruta tornou-se, assim, a sede de uma admirável escola de
oração, onde Maria ensina a todos a contemplar com um fervoroso amor o rosto de
Cristo"[4].
O Papa Bento XVI, comentando o relato dessa primeira aparição em
Lourdes, ressalta o fato de Nossa Senhora saudar Bernadete com o sinal da cruz:
"É significativo que, na primeira aparição a
Bernadete, Maria inicie o seu encontro com o sinal da Cruz. Mais do que um
simples sinal, é uma iniciação aos mistérios da fé que Bernadete recebe de
Maria. O sinal da Cruz é de alguma forma a síntese da nossa fé, porque nos diz
quanto Deus nos amou; diz-nos que, no mundo, há um amor mais forte do que a
morte, mais forte do que as nossas fraquezas e os nossos pecados. A força do
amor é maior do que o mal que nos ameaça. É este mistério da universalidade do
amor de Deus pelos homens que Maria veio revelar aqui, em Lourdes. Ela convida
todos os homens de boa vontade, todos aqueles que sofrem no coração ou no
corpo, a levantar os olhos para a Cruz de Jesus a fim de encontrar nela a fonte
da vida, a fonte da salvação."[5]
De fato, Bernadete sai daquele primeiro encontro revigorada, tal
foi o amor no qual esteve imersa durante a visita da Santíssima Virgem. Justo
ela, " la friolera",
não sentia fria a água do riacho; ela, a mais fraca de todas, conseguia
carregar os feixes de lenha para casa, sem ofegar e sem dificuldades. E ardia
nela o desejo de rever a Senhora.
É interessante: a mensagem de Lourdes dá ênfase à pobreza, mas
também fala da oração. Durante várias aparições, nada aconteceu entre Nossa
Senhora e Bernadete senão, pura e simplesmente, oração. Enquanto ela se detinha
de joelhos, em oração, abstraída de tudo o que estava ao redor, os médicos examinavam
o seu pulso; e ele estava absolutamente normal. Até velas colocaram, queimando
a pele de Bernadete, mas ela não reagia, compenetrada que estava diante da
Virgem, rezando.
Em Lourdes, "Maria vem recordar-nos que a oração, intensa e
humilde, confidente e perseverante, deve ter um lugar central na nossa vida
cristã. A oração é indispensável para acolher a força de Cristo"[6]. Como
diz Santa Teresa de Ávila, a oração é a porta do castelo de nossa alma.
Trata-se de uma atitude indispensável a quem está disposto a amar generosamente
ao Senhor.
A terceira mensagem de Lourdes é a penitência. Na oitava aparição,
Bernadete, que sempre parecia tão tranquila, ficou triste, sombria. "Esse
dia Aqueró tinha pronunciado uma palavra nova. ‘Penitência!’ E disse: ‘Rogai a
Deus pela conversão dos pecadores!’ Logo lhe pedira que ‘se ajoelhasse e
beijasse o solo como penitência pelos pecadores’."[7]
Nesse ponto, todas as aparições marianas encaixam-se. Todas, sem
exceção, pedem à humanidade que faça penitência, que se mortifique.
Infelizmente, nem sempre esse pedido de Nossa Senhora é levado a sério. Muitas
pessoas – chamadas "aparicionistas" – costumam colecionar informações
sobre aparições, preocupam-se exageradamente com previsões do futuro, mas se
esquecem de fazer penitência. As mesmas "Martas", agitadas, que ficam
procurando novidades, que são capazes de ir ao outro lado do mundo para
procurar a previsão de Maria Santíssima para a próxima semana, deveriam fazer
um exame de consciência: Estamos realmente praticando mortificações? As
realidades antevistas por Nossa Senhora para o futuro são sempre condicionais:
acontecerão, se não se fizer penitência. Então, estamos realmente empenhados em
acolher as palavras da Virgem Maria? Penitenciar-se pela conversão dos
pecadores é, de fato, muito mais eficaz do que se preocupar orgulhosamente com
as realidades futuras, como que em uma "vontade de poder sobre o tempo,
sobre a história e (...) sobre os homens"[8].
Na terceira aparição a Santa Bernadete, Nossa Senhora fará uma
promessa importantíssima, cujo conteúdo deve ser levado muito a sério por todos
os católicos: " Non proumeti pas deb hé urousa en este mounde, mès en aoute – Não prometo fazer-lhe feliz neste
mundo, mas no outro"[9].
Essas palavras ajudam a desfazer em nós qualquer ilusão de
felicidade ou conforto neste mundo. E insuflam-nos um ânimo para
verdadeiramente fazermos penitência. Afinal, não é possível amar neste mundo,
com a nossa carne manchada pelo pecado, sem passar pela senda da mortificação.
Há uma lei dentro de nós que diz: "foge da dor, busca o prazer". E os
cristãos precisam lutar contra essa lei, se querem amar generosamente. Quem
quer amar de verdade não pode fazer o juramento de não sofrer. Se formos parar
para pensar, as pessoas que realmente nos amam são aquelas que sofreram por
nós. Isso acontece porque o amor é uma aliança de sangue, que diz: "Eu
derramo o meu sangue, mas não desisto de você". Na Igreja, que é a
comunhão dos santos[10], os efeitos de nossa penitência atingem membros que até
nos podem ser desconhecidos. O sofrimento dos santos pode salvar a vida eterna
de muitas pessoas.
Na nona aparição, Nossa Senhora manda Bernadete escavar o chão e
ali, na gruta de Massabielle, surge uma fonte de água. Trata-se de um convite
aos fiéis para renovarem o seu batismo e, ao mesmo tempo, de uma oportunidade
para comprovar a veracidade das aparições: são muitíssimos os milagres operados
por Deus nas águas de Lourdes, milagres rigorosamente avaliados e amplamente respaldados
pela ciência. Em um desses eventos extraordinários, uma mulher tuberculosa, com
os pulmões completamente prejudicados, esquelética, já no último grau da
doença, tendo passado por vários hospitais especializados, encontrou sua última
esperança em Lourdes: ela foi miraculosamente curada, depois de ser imersa na
água fria da gruta de Massabielle.
O primeiro milagre da gruta aconteceu pouco depois da décima
segunda aparição: uma mulher, de nome Catherine Latapie, que teve "um
ombro deslocado, o punho quebrado e os dedos retorcidos"[11] por conta de
um acidente, decide ir à fonte, às 3h da madrugada, em busca da cura. Após
imergir o braço na água, o membro fica curado e ela vai para casa, para dar à
luz o seu filho – que, no futuro, se tornaria padre.
Outro ponto foco da mensagem de Lourdes foi a Imaculada Concepção
da Virgem Maria. O Papa que reinava à época das aparições, o beato Pio IX,
tinha um método de evangelização bastante ousado: diante da resistência
anticlerical vindo principalmente de uma França afetada pela Revolução de 1789,
ele decide, com coragem, proclamar os dogmas da Imaculada Conceição e da
infalibilidade papal. Na condução de uma Igreja internamente desunida e
externamente atacada por todos os lados, o Santo Padre escolhe um remédio de bravura:
ser exageradamente católico, reforçar ainda mais a fé cristã, dando ênfase a
Nossa Senhora e ao Papa.
De fato, o dogma da Imaculada Conceição de Maria – segundo o qual
"a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, (...)
foi preservada imune de toda mancha da culpa original"[12] – foi
proclamado no ano de 1854, quatro anos antes de a Virgem aparecer na cidade de
Lourdes. Tal proximidade entre os dois acontecimentos fez com que São Pio X
dissesse: "Apenas Pio IX definira de fé católica que desde a origem Maria
foi isenta de pecado, a própria Virgem começava a operar maravilhas em
Lourdes"[13].
No entanto, a pequena Bernadete, que não sabia nem que a
"bela Senhora" que tinha visto na gruta era a Virgem Maria, muito
menos sabia que o dogma da Imaculada Conceição havia sido proclamado por Pio
IX.
Então, no dia 25 de março de 1858, festa da Anunciação, Nossa
Senhora apareceu-lhe e disse: "Que soy era Immaculada Councepciou – Eu sou
a Imaculada Conceição"[14]. Bernadete, que nunca tinha ouvido aquela
expressão, saiu da gruta, repetindo para si mesma aquela frase, para contá-la
ao padre, que tinha pedido uma comprovação da veracidade das aparições. O
sacerdote ficou perplexo, pois conhecia aquela menina, que não tinha feito a
primeira Comunhão e, portanto, não sabia o que era a Imaculada Conceição. A
partir desse momento, o crédito das aparições aumentou: a Santíssima Virgem
acabava de confirmar o método pastoral de Pio IX. Contra os lobos que devoram o
rebanho, a solução não é uma conversa tímida e covarde, mas uma paulada na
moleira.
Ao mesmo tempo, a realidade da Imaculada Conceição é algo que nos
poderia deixar um pouco perplexos. Por que, de tantos títulos, Nossa Senhora
decide manifestar-se como "imaculada", "sem pecados"? Não
seria isso desestimulante para nós, tão cheios de pecados e defeitos? Na
verdade, não. Maria aparece com toda a sua pureza e santidade para dar ao homem
uma notícia: é possível ser santo e amar a Deus perfeitamente, com amor
sobrenatural! Os santos "de sétima morada" confiaram na graça de Deus
e viveram assim, de forma extraordinária. Além disso, explicava o Papa Bento
XVI, em visita a Lourdes:
"Este privilégio concedido a Maria, que A distingue
da nossa condição comum, não A afasta antes, pelo contrário, aproxima de nós.
Enquanto o pecado divide e nos afasta uns dos outros, a pureza de Maria torna-A
infinitamente próxima dos nossos corações, atenta a cada um de nós e solícita
do nosso verdadeiro bem. Podeis constatá-lo tanto aqui em Lourdes como em todos
os santuários marianos: multidões imensas acorrem aos pés de Maria para Lhe
confiar aquilo que cada um tem de mais íntimo, aquilo que cada um tem
particularmente a peito. (...) Diante de Maria, precisamente em virtude da sua
pureza, o homem não hesita em mostrar-se na sua debilidade, em manifestar as
suas interrogações e as suas dúvidas, em formular as suas esperanças e os seus
desejos mais secretos. O amor materno da Virgem Maria desarma toda a forma de
orgulho; torna o homem capaz de se olhar como é, e inspira-lhe o desejo de se
converter para dar glória a Deus."[15]
Quando as aparições terminaram, a família Soubirous conseguiu
melhorar um pouco de vida, mas apenas através do seu trabalho. Repugnava-lhe
pensar em ganhar dinheiro à custa da fama das aparições.
Bernadete, que então vivia uma vida de doação aos mais pobres,
entrou, com 22 anos, no convento de Nevers, onde passou o resto de sua vida.
Tratada com severidade pela mestra de noviças – madre Thérèse Vauzou –,
Bernadete viveu, com amor, o recolhimento e a humilhação. Vítima de uma
tuberculose, nasceu para o Céu com 35 anos. Trinta anos após a sua morte,
exumaram o seu corpo e ele estava incorrupto. O seu crucifixo estava corroído,
o terço, oxidado – ou seja, havia umidade –, mas, ela mesma estava intacta. Após
a enterrarem e exumarem de novo, o seu corpo continuou intacto. Finalmente,
hoje o seu corpo está exposto na igreja de Saint Gildard, em Nevers.
Bernadete Soubirous é a grande pobre de Deus, escolhida para uma
vida de profunda humildade. Não se pode ser santo sem ser humilde, sem se
recordar pequeno e miserável diante do Senhor. Por isso, a grandeza de Lourdes
está justamente na escolha dos pobres.
"Não prometo fazer-lhe feliz neste mundo, mas no outro".
Com os olhos voltados para o alto, imitemos esta grande serva de Deus e
busquemos amá-Lo com cada vez mais generosidade. A vida de Bernadete pode não
ter sido rodeada de grandes glórias, mas como não invejá-la, agora, que ela
goza da verdadeira vida, no Céu?
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